12 de jul. de 2005

O Istmo

la luna – 23 set 003

Da janela avistava o braço do mar em sua elegante curva. Tinha ao meio dia uma cor azul celeste ponteada de manchas negras, indícios dos locais mais fundos — haviam lhe explicado — que a esta hora era quase cinza. O sol mergulhava no horizonte tingindo o céu de um vermelho afogueado.

Os veleiros voltavam com suas velas içadas, abertas ao sopro do vento de fim de tarde que lhe espalhava o cabelo ao filtrar-se pelos arabescos portugueses que guarneciam a janela.

Havia um quê de melancolia na elegância daquele istmo. Um algo que se perdera sem que se soubesse o que era e que o cheiro da maresia e o canto dos pescadores acentuava.

Aprazia-lhe ficar ali, no balcão, a olhar a enseada nestas horas. Costumava pensar, coisas de menina, como se sentiria aquele braço de terra tão longe do continente, esticado ente a água doce de um lado e a imensidão salgada do outro e sua mente viajava para além oceano onde diziam que existiam terras de homens negros como a noite e pardos como a tarde e de onde vieram seus avós e sua ama, cujos cabelos cheiravam a erva recém cortada.

O sol ia tingindo o céu de uma vermelhidão aflita como se entendesse a angustia que lhe pesava a alma, como se fosse solidário à imensa solidão que sentia e que era tão grande quanto o azul que se espalhava a sua frente.

Sentir-se-ia assim aquele braço de terra tão longe do continente? Que parte da terra firme lhe poderia entender a sensação de não pertencer nem à terra e nem à água? A solidão de não se fazer entender, ouvir, conhecer...

Tentara falar sobre estes pensamentos com o comandante D. Fernando , seu marido e dono perante a lei dos homens e fiel depositário de sua alma diante da lei de Deus. Ele ficara apreensivo. Estaria doente? Chamou o médico que pressuroso lhe receitou chá de flor de laranjeira. Incômodos do calor, dissera, normal nas senhoras nestas épocas primaveris.

Conversara com o pároco que lhe parecera suscetível ao entendimento, conhecedor que parecia ser da alma humana. Ralhou com ela. Como podia assim maldizer a benevolência do Senhor Deus que lhe dera um marido dedicado, uma casa farta, pais nobres, vida de senhorinha e filhos, logo três, da melhor espécie!?

Explicara a ela que não havia com que se preocupar. As meninas eram moçoilas belas, de pele clara e cabelos que mais pareciam raios de sol. As irmãs do convento da província as elogiavam fartamente e a posição de D. Fernando garantia a elas um bom casamento. O rapazinho se encaminhava bem e o pai muito lhe elogiava a rapidez do pensamento e o bom senso nas conversas. Seria seu sucessor sem que isso causasse qualquer dano...

Sorrira, fizera penitencia, e se sentira ainda mais só!

Gostava da casa assim silenciosa quando as amas se recolhiam aos labores da casa inferior e os homens saiam para a faia da tarde e ela podia, então, se recolher aos seus pensamentos e observar a curva do braço de terra perdida entre a lagoa e o mar.

O sol já era apenas um brilho na barra do horizonte e um gato grande e dengoso se desenhara nas nuvens sobre a ponta de terra. Dentre em pouco os jasmins começariam a aquecer a noite com seu perfume doce e cálido e não se distinguiria tão bem a trançagem que o bungueville trançara na paliçada do balcão. As águas também começavam a escurecer e logo as tranças prateadas da lua rastreariam a lagoa pelo mesmo caminho por onde o sol se escondera. Um cheiro forte abraçou o ar, um cheiro conhecido que vinha de longe, de algum lugar pertencente ao mundo terreno, um cheiro exigente ainda que agradável...

- Senhora!

_ Senhor D. Fernando! Boa noite, estimo que o dia tenha transcorrido na paz de N. Senhor.

- Assim foi. Porque chora? Sente algum incomodo? Quererá chamar o doutor?

- Não senhor, agradecida. Devem ser os calores primaveris. Coisas de Senhoras, o senhor entende...

2 comentários:

Lu disse...

Querida, ainda voltarei para comentar com o cuidado que mereces. Por enquanto só uma visita rápida pra deixar um beijo.

Camiloca disse...

Ué, mudou o endereço?! Achei esse aqui bem mais bonito!! Bjocas!!