29 de dez. de 2006

Contas de contar lembranças...
TH 29 dez006


Interessante como você pode não morar em algum lugar e no entanto ser ali que suas recordações permanecem como se fosse um baú de guardados, fechados pela chave da distância, pelos quilômetros que separam cada realidade.

Aqui tudo tem um cheiro de guardado, tudo está impregnado de recordações, até mesmo as novas ruas, ruas substitutas de outras onde antes havia uma boate, um barzinho, uma esquina...O camelô comercializa as mesmas velhas músicas de outrora, apenas agora em MP3 e as lembranças vão se sucedendo à medida que o vento balança a farta cabeleira dos coqueiros.

Aqui comprei uma sandália branca com a qual brinquei o Reveillon de...Não importa o ano porque nessa rua, onde agora se faz o retorno para acessar o bairro que fica do lado de cima da avenida, eu chupei muito jamelão com sabor de sonho. A casa ficava lá mais em cima, perto da torre, daquela torre de igreja, aquela branca que se avista de cá, da avenida...

Assim vão se sucedendo as lembranças e de repente vejo um rio em cujo leito correm vinte ou trinta anos a escorrer-me os olhos, embalar-me a alma. Seu rosto desenhado em cada nuvem, as esquinas da cidade, as ondas do mar, lembram-me da estrela que ainda brilha na sacada do edifício: demos-nos ela, um ao outro, para que não nos sentíssemos demasiado sozinhos ao estarmos longe. Havia também aquela estória do anjo da guarda que deveria cuidar de mim e tantas outras que nos contamos...Fios de trançar sonhos, sonhos de colorir a vida!

Engraçado que após tantos anos ainda haja nessa cidade tantas recordações amarradas em pedaços de ruas, folhas de palmeiras... Ecos nas paredes como sonhos de verão!

22 de out. de 2006

Conflito
Thamar


Metade de mim é amor
metade torpe é horror
ventania carregando folhas
brisa fresca cantando amores

Metade de mim abraça
metade pisa quebrando taças
rompe liames, estilhaça tratos
beija lábios, desenha traços

Metade sonha com o amanhã
metade sofre de febre terçã
lã fiada , cardada em sangue
corpo ofegante, querer constante

de dia corro o campo
de noite sonho errante
parada desejo andar
andando quero parar
Mercado Persa
Thamar

“Se vires a justiça e o direito em combate,
luta pela justiça”




Pobre moça cega
foi levada ao mercado
foi vendida aos pedaços
regateada por mercadores
presa da falta de escrúpulos

Seriam Persas?
Assírios, babilônios,
turcos , curdos, brasileiros,
judeus ou caldeus,
eram todos mercadores
comerciavam em nome de Deus

E a moça cega, rasgada,
era vendida aos pedaços
nas bancas frias do mercado

Quanto custa a verdade?
quantos dinários quereis
para dormir em paz????

E Judas execrado, massacrado
e suicida por ter comerciado a verdade
tem seu ato repetido todos os dias
nos corredores vazios, nas paredes frias
dos mercados persas, onde um cruz
pende vazia, sem sentido ou valia

Nos mercados onde a moça cega foi vendida,
os mercadores apregoavam sua mercadoria
vestidos em sedas, brocados de ouro e especiarias
Nos portões do mercado jazia a placa onde se lia
JUSTIÇA!

Oração pelo Magistrado
Thamar

Senhor Jesus
que no madeiro foi pregado,
em Vossa cruz permanecei imóvel,
Vigiai o magistrado!

Abri os olhos, ó Senhor,
pisai com Vossos santos pés o estrado,
derramai Vossa sagrada ira
sobre aquele que oprime
a Justiça em nome do Estado!

Recebei em Vosso colo,
ó Senhor crucificado,
qual Pietá de Michelangelo,
o corpo inerte da Justiça
cruelmente assassinada.

Em Vosso nome, ó Senhor,
Judas foi ressuscitado
e Pilatos tem as mãos
diariamente lavadas.

Senhor Jesus,
dos desvalidos advogado,
rompei a venda da Justiça,
desatai as mãos manietadas.

Derramai a Vossa ira
sobre esses mercadores
que profanam Vossa presença
em seus frios corredores.

Redimi a Justiça,
o Direito e a Verdade,
todos eles foram vendidos,
pelo metal corrompidos,
nos tribunais assassinados...

21 de set. de 2006


Querido irmão de minha alma,

Sentada sob as estrelas deixo que o vento acaricie meu rosto, minha pele, meus cabelos... O ar tem cheiro de chuva, prenunciando que o calor logo ficará mais suportável, embora as estrelas desmintam a notícia.

A terra recende a mulher feliz. Fragrância molhada, fecunda, plena de realizações. A rua está cheia de folhas secas que caíram na última passagem do vento, quando ele brincou de currupira com as copas altas.

Li suas letras brilhantes, seu texto rápido, conciso, cheio de vigor e verdade.

Fiquei com saudade dos tempos em que gastávamos horas do nosso tempo em intermináveis conversas. Sobre o que mesmo conversávamos? Sobre política celeste, filosofia, educação, amor, sexo, vida... E o tempo passava sem que percebêssemos, sem que sentíssemos, num exercício de trocas sempre renovadas.

Sentávamos sob o carvalho da madrugada e a lua iluminava nossa escrita pelas linhas do céu. Bordávamos de estrelas os textos que sempre atravessavam o firmamento para encontrar o sol na barra do dia!

Ainda sinto o cheiro das manhãs florescendo, enquanto sua cabeça repousava no meu colo e as palavras passeavam pelos céus de nossas bocas...

Li suas palavras brilhantes e minha alma se encheu de orgulho por ser sua amiga e partilhar com você lembranças de momentos especiais, aromas de chocolates e noites repletas de palavras perfumadas.

Li você e a saudade veio sentar-se a meu lado!

12 de set. de 2006







Haja o que houver
Madredeus

Haja o que houver, eu estou aqui
Haja o que houver, espero por ti

Volta no vento o meu amor
Volta depressa, por favor

Eu sei, eu sei
Quem es para mim
Haja o que houver
Espero por ti

Há quanto tempo já esqueci
Porque fiquei longe de ti

Cada momento é pior
Volta no vento por favor

11 de set. de 2006




Reflexões ao por-do-sol
Thamar
set/2005

O mês de Elul traz consigo um sol vermelho ao final da tarde. Sua beleza intensifica-se a medida em que uma névoa seca produz uma sensação de embaciamento da vista possibilitando olhar fixamente o disco fulgente que incendeia a barra do horizonte.

Será essa a razão deste mês ser chamado de mês das luzes? sinceramente não sei, mas deveria ser! O espetáculo é belíssimo embora poucos se dêem ao trabalho de apreciar. Em algum outro lugar, esse mesmo sol, desce a barra do horizonte enquanto seu reflexo passeia pelas águas do oceano, traçando um reflexo de dourada prata nas águas salgadas... Coisas maravilhosas que o homem perde de observar todos os dias!

Perdemos tantas coisas, deixamos de apreciar tantas belezas que gratuitamente a vida nos oferece, a cada dia, presos que ficamos em convenções de dever ser como se devêssemos ser algo mais que felizes...

Tomo meu baú de penduricalhos e resolvo organizar minhas lembranças. Suas cartas, amarradas com fita cor-de-rosa sol de Elul, repousam no lado esquerdo do baú. Acaricio-as como se fossem sua própria face, abro-as , uma-a-uma, e lhe escuto pronunciar cada palavra pensando ser capaz de adivinhar as inflexões, os sorrisos suspensos, o brilho astuto do olhar , a expectativa da espera.

quanto tempo nos correspondemos? Mais de ano, dizem as cartas e sei que não tenho todas, algumas rasguei por uma pueril noção de perigo, como se houvesse jeito de se viver sem estar em perigo!

Um vento morno sopra nesse final de tarde e um calor intenso e interno me abrasa: Sinto sua falta, uma falta forte, ardente como o final da tarde. As palavras reacendem a lembrança do toque, do abraço... Seu cheiro puro, sem misturas químicas, seu porte, sua elegância, sua beleza quase helênica...

Lembro de uma “modinha”em que o cantor perguntava: “Por quem sonha Ana Maria?” Sinceramente eu não sei por quem ela sonha, mas espero que sonhe com alguém e que esse alguém tenha um rosto, um cheiro e um corpo porque os sonhos abstratos doem demais, bem sei eu.

Meu sonho tem um rosto, um toque e um cheiro específico e, agora sei, um desejo contido por muitos anos, um querer antigo sempre considerado inatingível ou eu não teria pequenos papéis guardados e lembranças tão fortes de cheiros, roupas, fatos, curiosidades. Depois de tantos e tantos acontecimentos a permear a memória, ainda ressoa o conselho só colocado em prática na sua companhia:

(..)Se um dia encontrar alguém que lhe respeite e que queira compartilhar com a senhora o seu carinho, aceite porque carinho e respeito são matérias muito escassas na humanidade!

Minha saudade tem um toque de pétalas de rosas e a segurança do melhor abraço já experimentado, tem a intensidade de um grito de guerra e a vontade sempre impossível de ficar um pouco mais. É feita da certeza de que a não proximidade excessiva popa nossos olhos de cegaram a luz dos nossos recíprocos defeitos, e assim seguimos unidos pelo desejo que a distancia aumenta e a saudade regula embalando meus sonhos e colorindo meus dias com sua palheta de arco-íris (e eu já tão acostumada com o cinza, sinto-me deslumbrada!).

O sol já se escondeu e Amelita Baltar me conta, em sua belíssima interpretação, que sus labios de fuego otra vez quiero besar[1]enquanto eu lhe sugiro:

Quereme así, piantao, piantao, piantao...Trepáte a esta ternura de locos que hay en mí, ponete esta peluca de alondras, ¡y volá! ¡Volá conmigo ya! ¡Vení, volá, vení![2]



[1] Por una cabeza – tango de Gardel e Le Perra

[2] Balada por un loco – tango de Piazzola e Ferrer

4 de set. de 2006

Desejos

Queria poder levar um raio de sol e a suave fragrância que impregna o vento;

A vida pulsante a cada momento nesta cidade sempre maravilhosa...

Levar as casas que sobem a encosta, a passarela cor-de-rosa e o trem azul no seu vôo solo!

A placidez do aterro e o burburinho do Saara, a imensidão que do bondinho se descortina e os meus olhos de menina...

Queria saber falar da beleza abobadada, dos monumentos, das colunas,dos sentimentos que dormitam na arquitetura centenária.

Levo então minha’lma alargada, olhos deslumbrados que ainda mais me ligam a D’us.

Levo a plenitude da saudade bordada com a beleza que entrevejo na cidade

25 de ago. de 2006



Terno

.Luiz de Aquino

Passeio meus dedos
nos seus cabelos,
e deles faço água de cascata
para encantar meu faz-de-conta.

Entendo seus olhos semicerrados
e a respiração ofegante,
a ternura da cabeça
em abrigo no meu peito

(almofada de pétalas para
aconchegar seus medos,
seus anseios, suas dúvidas
e seu repouso).

http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com/

22 de ago. de 2006




QUEM É VOCÊ?

(Simone - Isolda e Eduardo Dusek)


Quem será que me chega
Na toca da noite
Vem nos braços de um sonho
Que eu não desvendei.
Eu conheço o teu beijo
Mas não vejo o teu rosto

Quem será que eu amo
E ainda não encontrei

Que sorriso aberto
Ou olhar tão profundo
Que disfarce será que usa
Pro resto do mundo
Onde será que você mora
Em que língua me chama
Em que cena da vida
Haverá de comigo cruzar

Que saudade é essa
Do amor que eu não tive
Por que é que te sinto se nunca te vi?

Será que são lembranças
De um tempo esquecido,
Ou serão previsões
De te ver por aqui...

Então vem

Me desvenda esse amor
Que me faz renascer
Faz do sonho algo lindo
Que me faça viver

Diz se fiz com os céus algum trato
Esclarece esse fato
E me faz compreender

Esse beijo, esse abraço na imaginação
E descobre o que guardo para ti
No meu coração.
Mas deixa eu sonhar, deixa eu te ver
Vem e me diz quem é você


15 de ago. de 2006

Educa�o e Cafezinho: Sobre o conflito Israel - L�bano IV Alguns pontos...

Educa�o e Cafezinho: Sobre o conflito Israel - L�bano IV Alguns pontos...

3 de ago. de 2006

Marco Zero - Macapá/AP
Local ideal onde passa a linha do Equador no Brasil




Como é mesmo ?

Thamar

3ago006

Então é assim que acontece e você nem sabe como ou porque aconteceu!

Você estava lá, quieto e guardado no armário escuro do esquecimento, da vida sem graça, toda gris e fria. Você nem sabia mais o que era um dia de sol, uma tarde de primavera, uma gargalhadas sonora com gosto de chocolate quente...

Tudo exatamente igual, um dia atrás do outro como uma fila de supermercado, um bando de ovelhas saindo para o pasto das lides diárias e nem se dava conta que assim acontecia... Aí o sol, de repente, entra sem pedir licença, ilumina tudo, lhe devolve alegrias esquecidas, palavras perdidas e cheiros dispersos...Você amanhece , resplandece e se afasta daquela noite escura e fria. Ousa e pisa na água fresca das poças que a chuva deixou no caminho; toma banho de lua prateada e desce pelos vales do arco-íris e quando chega lá em baixo caí na cachoeira macia de eras perfumadas.

O mar da Sicília, ou seria do Arpoador?, invade seus olhos e lhe embala.

Felicidade, alegria, contagia, vicia, torna você dependente e quando se instala a sensação de eterna primavera você acorda e novamente chegou o inverno gris e frio, escuro e mofado e você pára e fica pensando: Cadê o sol? o mar, as flores????

Parado no meio do mundo, não se sabe para onde ir porque o inverno é sempre muito sem graça!

22 de jul. de 2006

Ilkar

Thamar


Quando pensava em sua vida tantas e tantas vezes recomeçada, assombrava-se que houvesse resolvido continuar naquele exato momento em que todos os caminhos pareciam bifurcar-se a exigir uma decisão mais que definitiva: terminativa!

Naquele dia ensolarado resolvera prosseguir mesmo que não visse um caminho a frente. Abriria um, passaria sobre todos os obstáculos, haveria, sim, em algum lugar, um atalho, um acesso a um tipo de vida normal, sem constantes recomeço e estava certa:havia, sim!

Instalara-se na pequena aldeia , ao sul do califado das laranjeiras, e firmara-se no comércio de especiarias. Começara com pequenos truques perfumados, essências florais para mulheres, banhos de cheiro e aromas, e agora vendia todo tipo de sonho.

Vendera tantos sonhos em formas de perfumes ou talismãs que acabara comprando um para si, quase sem perceber. Tudo acontecera naquele dia de outono, quando o cheiro das frutas maduras enchia o ar, em que amofinada pela falta de um sol fervente fechara o comércio e resolvera passear na casa dos amigos.

Na esquina dos beirais, na rua onde aconteceram os passados combates, encontrou o grande general, e o cumprimentou gentil e formalmente.

Há muitos anos, logo que chegara à aldeia, fora fornecedora do general. Trouxera-lhe papiros, bicos-de-pena e todas essas coisas com as quais os homens movimentam o mundo. Não lhe passara pela cabeça que alguém tão importante pudesse lembrar-se dela, simples comerciante de aldeia.

Ilkar sorrira, mais que um sorriso formal, e lhe convidara para uma chávena de hortelã aromatizado. Ele possuía lembranças firmes a seu respeito e de suas mercadorias. Conversaram longamente até serem obrigados a atender ao toque de recolher.

Certa feita, era inverno, surpreendeu-se com uma imagem que lhe ocupou, de uma só vez, todo o espaço do umbral. Uma cabeça bem torneada teve que dobrar-se para não tocar o batente da porta enquanto ombros largos ocuparam todo o vão de passagem. Trajava camisa verde-água e calça chumbo. Lembrava o mar da Sicília nas tardes que antecedem o inverno e foi exatamente isso que lhe veio à mente: o mar da Sicília invadira seu estabelecimento!

Depois só lembrava de ter perdido a respiração ao ser afogada em delicadas pétalas de rosas , sentindo uma suave e firme pressão no meio das costas.

A terra estremecia ao som dos tambores de Beltrane. As fogueiras rituais crepitavam por toda a ilha enquanto virgens, engalanadas com as mais belas flores da estação, pulavam os círculos de fogo ao encontro do rei verde.

Os homens hipnotizados, e as mulheres em êxtase, clamavam pela volta do sol saudando a fertilidade do solo e o recomeço da vida.

Tudo possuía o mesmo ritmo: o ventre da mãe terra, os corpos dos homens, os tambores rituais. Tudo pulsava no compasso da vida que se renova, recomeça com a pujança dos nascimentos.

A roda da vida girava freneticamente e o peso morno de um corpo relaxado reinstalou a realidade. Sim, era Beltrane, mas o ritual era particular, só seu, vôo solo de uma alma solitária em terra estranha.

Sorriu enquanto mãos carinhosas desenhavam o contorno de seu corpo. Recebeu a taça de vinho que lhe foi estendida, como as vestais recebiam as infusões restauradoras.

Deixou-se envolver pela acariciante sensação de aconchego e plenitude.

Pela janela aberta, um vento brincalhão e f rio tamborilou nos seus ombros seminus. Abriu os olhos demorando a encontrar a realidade. Ao seu lado havia apenas o vazio das cobertas macias e no ar o perfume doce e aconchegante de um momento de carinho.

Deslizou as mãos pelos braços, arrumou os cabelos lentamente. Sentiu na pele o cheiro gostoso da terra molhada e aquecida pelo sol, o cheiro do sol...

21 de jul. de 2006

O Universo em uma casca de nós...

Thamar

20jul006



Quanto tempo dura a eternidade?

O que é e onde habita a realidade?

Esse era o tecido que suportava as observações de Celene enquanto Ilkar desenvolvia-se pelo aposento que compartilhavam.

Ilkar era alto e de espáduas largas, coluna ereta e um andar marcial. Tinha garbo! - pensara certa vez – como convinha a um grande general.

Seus trajes estavam sempre impecavelmente elegantes e sóbrios e dessa combinação terminava por emanar um certo it , um fragor de masculinidade que agia como ímã sobre seus subordinados e sua platéia.

Observou-o parar perto da balaustrada de porcelana branca e afastar os punhos do dólmen antes de trazer o braço esquerdo a frente do corpo, como coluna diagonal, para suportar o peso da inclinação. Sorriu com a comparação e erguendo a vista deparou-se com o sorriso terno e ao mesmo tempo maroto do general:

- O que foi ? Porque esse sorriso arteiro?

- Nada. Só que ninguém nunca me observou assim...

- Encomoda-o ser observado?

- Não. Não por você.... - Pareceu acrescentar uma declaração muda de que nos olhos que o observavam havia muita ternura.

Sorriu olhando a elegante mão que pousava na borda alva com tanta graça que seria de imaginar que não suportava mais que uma borboleta de peso!

A mão era a de um tocador de harpa: firme e delgada, de dedos longos, ágeis. Unhas disciplinadamente cuidadas, meias-luas extensas e algumas manchas de sol. Usava um anel de ouro trabalhado em platina ou ouro branco – o que ao final terminava sendo quase a mesma coisa - , trabalho delicado e sóbrio a sugerir memórias antigas e alguma história. Namorou o anel por algum tempo tentando decifrar-lhe o conteúdo para em seguida distraír-se com o barulho da água jorrando no chafariz.

Ilkar levantou-a com facilidade e lhe beijou os cabelos e os lábios. Primeiro com ternura e depois com sofreguidão. Colocou-se sobre os joelhos de Ilkar como se fosse uma criança e sorriu deliciando-se tanto com o quadro quanto com a expressão daquele homem que, tantas vezes vergastado pela vida, era capaz de achar graça em coisas tão simples quanto ter alguém sobre seus joelhos.

Descansou a cabeça em seu peito e o arminho que guarnecia o tórax de Ilkar acariciou-lhe ternamente a face.

Sentiu seus braços fortes em volta do seu corpo enquanto ouvia contar de suas viagens e feitos.

Poderia a eternidade conter-se em 7.200 segundos?

Habitaria o universo em uma casca de noz?

O toque da campanhia interrompeu suas divagações trazendo-a de volta a realidade...


17 de jun. de 2006

VERNISSAGE

Thamar


Sua imagem enquadrada pela janela, za-rei;

No céu azul de Paris, nuvens em alto relevo

Ao longe, Versailhes é uma colméia!

Aconchego mediterrâneo, Acapulco

Lençóis brancos , teus braços, abraços

orquídea orvalhada, flor de baunilha perfumada

bambus na sacada

A chuva caindo no pátio

escultura grega molhada

Botticelli e a mulher nua

encantada

A estrada ...

Olhos mergulhados no nada

capa e espada, Versailhe fala de saudades

Memórias na pele guardadas!

Zeus por Dânae

Thamar

Era na postura da palmeira que Dânae mais admirava o grande deus, pai de todos os deuses, o grande Zeus. Quando seus alvos pés enlaçavam a nuca do poderoso e suas mãos pequenas descansavam sobre suas coxas capazes de suportar o peso do mundo. Naquela insólita moldura, traçada por suas pernas, o olímpico rosto tinha uma beleza indescritível.

Muitas eras depois, em um tempo ao qual os mortais chamariam de Renascimento, um escultor transformaria aquela imagem em escultura procurando traduzir, na nobreza do Carrara, a força, a beleza e a sedução daquele momento, mas nem mesmo o nobre Carrara seria capaz de suportar a plenitude de Dânae ou a luz fulgurante do olhar de Zeus.

A plenitude, assim como a luz, é intangível sendo possível apenas sentir, presenciar, jamais reproduzir em toda a sua beleza e completude e era plenitude e beleza que Dânae sentia quando o braço de Zeus enlaçava seu corpo pequeno como o de todos os mortais.

Zeus era temido e amado. Grande e poderoso, governava o Olimpo com mãos de ferro e justiça humana. Apaixonado, vibrante, vigoroso, disfarçara-se de fogo, de chuva, de ouro e de mil e uma outras formas para seduzir e conquistar. Para Dânae nada disso fora necessário: o que via em Zeus era o próprio Zeus, e isto era o suficiente.

Ele era alto, forte e quase inatingível. Era o pater familias do Olimpo e sob sua responsabilidade dormia o destino da humanidade. Dânae era apenas uma mortal comum, e jamais teria imaginado ser vista por ele, mas aconteceu e maravilhada não teve em seus braços um deus, mas um homem em toda a sua extensão e a extensão humana de Zeus - seus medos, suas dores - era o que mais lhe encantara.

Dânae gostava de reter, entre suas mãos, o rosto do grande deus. Nesses momentos, os que antecediam a transformação no grande urso, a voz dele era suave como o chilrear dos rouxinóis e no sussurro dos ventos trazia o sonho e a sedução. Então Dânae passeava os dedos por sua face, tocava-lhe o cabelo tecido em neve e cinza, desenhava sobre a pele o contorno dos olhos. Queria dizer-lhe que estava ali não com o deus, mas com o homem. No milagre do encontro existia apenas um homem e uma mulher e não importava que um deles fosse deus... Até mesmo os deuses necessitam sentir-se humanos, cansados, doídos. Tristes, amargurados e Dânae buscava em si reservas recônditas de doçura com as quais pudesse suavizar o belo rosto da divindade.

Amava em Zeus a mistura de força e fragilidade, doçura e firmeza. Um corpo forte - cuja visão causaria medo e morte a qualquer mortal – que lhe tocava como uma brisa suave; a voz do trovão chilreando em seus ouvidos. O equilíbrio dos extremos. Um homem, um deus; tão forte que necessitava de amparo, tão grande que não passava de um menino...

A palmeira transformou-se em ponte levando Dânae a sentir o fluído da vida inundar seu corpo. Sorveu sua taça de ambrosia enquanto o urro do grande urso ecoava sobre a terra!

28 de mai. de 2006

O Mistério da Luz

Thamar


Nunca se soube ao certo como aquele raio de sol vencera as barreiras e inundara o quarto sempre frio com sua luz e calor. O fato é que isso aconteceu e, a princípio, causou medo e espanto.

Morava há tanto tempo naquela escuridão gélida que já se acostumara a olhar a claridade como algo pertencente ao mundo de fora, mundo que adivinhava existir a partir da algazarra de jovens e crianças existentes para lá dos portões.

Há quanto tempo estava ali? Não saberia dizer. Possivelmente toda a sua vida, pois se lembrava vagamente de haver visto um mundo diferente além do jardim.

Tudo aconteceu repentinamente, com o raio de sol atravessando a janela, afastando as cortinas e enchendo o aposento de uma luminosidade quente e forte. Sentiu medo — essa foi a primeira das reações — e deu as costas à luz, mas o sol não iria desistir de iluminar e aquecer aquele quarto. E dar as costas não adiantava em nada, nem mesmo minimizava o pânico. Então, correndo, trancou-se no guarda-roupas.

Lá, no guarda-roupas, era tudo familiar: a escuridão, o frio cheirando a mofo, o silêncio e a sensação de vazio... Aos poucos, a curiosidade venceu o medo e, pela fechadura, passou a observar o quarto iluminado: não era que as paredes eram rosa-salmão? Jurava que eram brancas... mas branco sempre é a falta de luz! E aquele calor gostoso que, mesmo no guarda-roupas, começava a sentir? Era estranho, mas fazia o coração disparar; sentia-se mais forte, mais vivaz.

Timidamente abriu uma, depois a outra porta do armário. Um pé de cada vez, saiu do seu esconderijo, como uma borboleta do casulo. A claridade, no começo, mas só no comecinho, doeu-lhe a vista, obrigando-a a espremer os olhos como quem acorda. Deixou-se envolver pela quietude cálida e chegou-se à janela para espiar lá fora.

A nova realidade era cheia de propostas e curiosidades, razão pela qual entreabriu a janela, a fim de melhor ouvir as crianças brincando. Foi nesse momento, exato momento, que o raio de sol tomou-a pela cintura e bailou pelo aposento. Parecia um tango argentino. Suspendeu-lhe o corpo acima do parapeito da janela e depositou na calçada, fora dos limites frios, onde sempre vivera.

À sua frente uma linda borboleta azul batia freneticamente as asas. Um ser diferente, ao menos para quem não conhecia borboletas, de asas azuis com pontinhos brancos, um sorriso maroto estendido entre uma antena e outra.

Deixou-se levar pelo raio de sol e pousar nas costas da borboleta. Voaram pelos céus do mundo, ou do que pretendia imaginá-lo: o que é o universo para quem nunca chegou nem aos portões do jardim?

Desceram pelo arco-íris e a risada alegre e solta assemelhava-se a cristais batendo contra dentes infantis. Beberam do cálice da vida e tomaram banho no rio da imensidão que faz as pessoas tornarem-se uma, nem que seja por alguns momentos.

Quando a lua assumiu a função de iluminar o céu, estranhou a janela aberta e as cortinas arregaçadas. Curiosa, entrou no aposento, primeiro cautelosa; depois enchendo-o com sua luz de prata. Encontraram-se: dormia com um sorriso infantil.

19 de mai. de 2006



Sobre vales e montanhas

Thamar

19mai006

Executo uma quinta em “meia-ponta” e a panturrilha tensionada eleva-me no solo enquanto as mãos tentam alcançar o céu. Tudo que consigo é tocar seu rosto com a ponta dos dedos. Desisto do feito e sorrio.

Sua imagem não se encontra na linha do horizonte e nem mais acima. Está perto das estrelas, onde um fim de tarde envolve-me em profunda paz.

Assentada sobre colunas jônicas, encaixo-me na amplitude de sua envergadura. Pequena pérola encaixada na ostra. Imagem divertida que me ocorre: poderia desaparecer na dobradura do seu dorso! Invadem-me os aromas do outono e o cheiro suculento da fruta madura confunde-se com os jasmins espreguiçados ao sol, enquanto pétalas de rosas inundam minha boca, meu rosto, escorrem pelo meu colo.

Há uma paz profunda firmada na segurança dos grandes silêncios. Silêncios plenos de procuras e descobertas, vida pulsando no latejar do Universo.

Uma outra imagem desagua no cérebro: o vale observando a montanha, percebendo seu perfume e firmeza, sua postura protetora e suave.

A realidade tem a força de uma draga e o tempo continua sua marcha inexorável.

Meus pés tocam a terra dos homens mas minha alma permanece ancorada na simplicidade forte do seu abraço. Capa de frio na noite invernal!

13 de mai. de 2006

Gerânios

6mai006

Thamar

Acostumara-se ao silêncio como quem se acostuma a uma doença crônica, progressiva, terminal. Um silêncio repleto de vozes e pensamentos, pulsações de tudo que poderia ter sido e não foi.

No começo sentira-se definhar como uma planta sem água, sem luz, aos poucos decidira-se pela vida e suas raízes aprofundaram-se no solo em busca do precioso líquido. E quanto mais suas raízes desciam escavando o solo profundo, mais seus galhos fortaleciam-se em busca do sol.

Vivia de um quase nada, sustentava-se do sonho que lhe presenteava a lua a cada noite, gostas de orvalho vicejante na madrugada.

Um dia tocou a água escondida no solo profundo e assustou-se com a imensidão do azul do céu.Tudo, repentinamente, parecia apoteótico, festivo, enorme... Ressabiada, olhou em volta e o canteiro continuava estreito, silencioso, mas o jardim era enorme, embora jamais se houvesse apercebido.

Derramou-se preguiçosa pelos muros permitindo que a vida instalasse flores em seus galhos, que a raiz buscasse a água tão necessária e , faminta, recebeu a lua com seus raios de sonho e fantasia.

Aprendeu a ouvir os pássaros e cantou a canção da vida desenhando um bordado de fugaz felicidade!

Mistérios D’água

6mai006

Thamar

Há coisas para as quais não há explicação, ao menos aparentemente. Um dia de sol, uma manhã chuvosa, notícias de um jornal velho que voa pela calçada ou palavras ouvidas ao acaso, tudo são possibilidades que podem mudar a vida de uma pessoa.

Possivelmente era verão; lembrava-se, ao menos, de um calor intenso e da suave brisa que soprava. Quando se anda no deserto por tanto tempo, perde-se a noção dos dias, do clima e da finitude.

No deserto tudo é imenso, belo e sem vida. Nada, além da areia, muda de lugar: nem o calor, nem o sol, nem o horizonte e fora exatamente isso o que lhe chamara a atenção: a brisa era um componente novo e o inusitado de sua presença assustava, quebrando a mesmice da paisagem.

Dias depois viu o oásis e a sombra acolhedora de suas palmeiras, tâmaras frescas e água da fonte assemelhavam-se a um delírio, privação de sentidos pelo cansaço da viagem.

Despiu-se sem pudor – como todos que se sabem sós –, lavou a face e mergulhou os pés cansados na água fresca. Sentiu a vida voltar às veias e quando a noite chegou, o céu, repleto de estrelas, sussurou-lhe o mistério do infinito que se opõe a fugacidade da vida, entendendo que as paisagens estão primeiro na alma e depois nos olhos, levando tempo para tornarem-se caminho.

Aprendeu a canção da roldana trazendo água para o menino e do mar quebrando na praia.

Adormeceu sorrindo.

Repentinamente entendera que o deserto era apenas a paisagem de uma parte do universo!

5 de mai. de 2006

Ave Maria, grazia plena!

15abr006

Thamar

O tempo passou sem que sentíssemos. Trouxe-nos alguns cabelos brancos a mais, juntou marcas de expressão e mais algumas assinaturas na alvura da pele. Desmanchou sonhos plantando outros, semeou sorrisos enquanto destruiu projetos; silenciou a gargalhada, ensinou a reflexão.

Houve aqueles arrancados de nossa companhia, prematuramente ou não, e houve aqueles que se ajuntaram a nós na marcha incessante da vida. Tanta coisa muda que se torna impossível precisar, marcar com determinada certeza os acentos do tempo, uma coisa, no entanto, não mudou e nem vai mudar: a estranheza do homem frente ao mar; meu estarrecimento diante da sua grandeza.

Uma grandeza silenciosa como a das grandes montanhas, um ensurdecedor barulho de borboletas voando no céu azul de uma manhã de verão, o trovão no meio da noite e a curiosidade respeitosa do peregrino no meio da noite, no centro do deserto, no umbral do nada, no meio do mar revolto.

Sempre em sua presença me calo e a sua figura suavemente austera lembra o título de um romance jamais lido: Pequenina diante de Ti .Repentinamente emudecida, o tempo recrudesce e, paralisada, sou o aborígine diante do mar, o errante sob o céu estrelado, a muda interrogação do cientista...

Todas as palavras imediatamente tornam-se sem significado, idiotas demais para serem ditas e o silêncio constrangedoramente me parece a única postura a ser tomada no momento.

Curvo-me respeitosa e me retiro, nada há que possa ser feito, há muito perdemos o direito ao paraíso e às estrelas cabe-nos tão somente admirar.

A lua de Eostre corre nos céus da redenção, Ave Maria, graccia plena!

...

Thamar

24abr006

Não ouvi o apito do trem!

No varal, as tranças brancas voam maculadas de sangue

O chão encharcado com o grito contido

rasga a lágrima calada

Há um nada, um vazio repleto de imagens

Uma canção, uma valsa não dançada

Paris e as palavras silenciadas

no estrondo do metal...

As águas da barragem refletem o céu estrelado

Na profundeza das águas o silêncio do nada

o turbilhão confuso dos reflexos difusos, desencontrados

Tudo gira rapidamente

as tranças voam no varal,

o vento açoita o final da tarde

o ocaso rasga o céu , mas o vermelho não é de paixão

Um ponto e tudo acaba...

Nada!

13 de jan. de 2006

Nárnia

31 dez 005

Era o princípio e o verbo

E criou-se o fogo

Que vermelho incendiou,

Fundiu, queimou, consumiu,

Moldou sonhos,

Alucinações, fantasia e desejos

Então eram cinzas e o nada,

O caos, o vazio, o medo,

O silêncio impenetrável

O frio e a memória

Ficaram no seio da terra,

E os pensamentos, registros latentes,

Desenharam tempos inacessíveis.

Do silêncio nasceu borea

Leve, rósea, serena

Doce música do alvorecer

Já não era caos, nem nada,

Não era fogo nem gelo,

Era paz... e era mais,

Era o nascer, um novo princípio:

— Eu e você!



PS: nesse poema contei com a ajuda do meu marido, Mendes, também conhecido como Intruso. Faltaram-me algumas imagens que ele getil e pacientemente recolheu para mim!
Chocolate com Cerejas

06Jan006

Costumava fazer frio àquela época do ano. Época de chuvas, de terra úmida e propícia ao plantio. Plantava-se tudo, idéias, grãos, sementes e brotos, sentimentos e esperanças, tudo era bem vindo no ventre úmido e fértil da Mãe Terra.

Sentada no balcão da janela, observava o verde a se espalhar no horizonte como uma grande tapeçaria celeste a recortar-se contra o cinza escuro de um céu túrgido de chuvas. Sobre o colo, repousava o velho álbum de fotografias. Lembranças amareladas de um passado tão presente quanto a folhagem balouçante das árvores ao vento.

No prato esquecido, adormecia a fatia de bolo de chocolate que lhe haviam trazido à guisa de lanche. Adormecida como as lembranças que misteriosamente haviam saltado do quarto escuro da memória e agora brincavam de roda sobre o gramado da fazenda.

Há quanto tempo tudo acontecera? Usava tranças compridas a tocar-lhe a cintura esguia de menina e seus pés lépidos ainda eram capazes de correr pelas campinas à procura de borboletas azuis.

Mário viajara para a capital; fora estudar, prometendo voltar. A próxima notícia que recebeu foi a de seu casamento com uma moça bonita e muito simpática que conhecera por lá. Viram-se ainda uma vez, quando recebeu das freiras o diploma de normalista.

Conversaram na doceria da praça, aquela em frente ao chafariz, enquanto comiam uma torta de chocolate e cerejas – aliás, era costume das famílias locais – falando da cidade grande e da nova vida de Mário. Tanto tempo depois parecia-lhe excessiva a eloqüência dele...Talvez temesse o marulhar das palavras não ditas!

Na hora prevista, Mário levantara, dera-lhe um caloroso aperto de mão e partira, deixando atrás de si uma sensação intraduzível.

A vida havia se encarregado de guardar aquelas memórias no fundo da mente adormecida pelo trabalho, filhos e uma confortável vida familiar, mas naquele exato momento tudo saltitava à sua volta como o cheiro de um bolo assando.

Fechou o álbum: de nada valeria olhar aquelas velhas fotos! O passado jazia num tempo perdido e não voltaria jamais, além do que, nem saberia dizer se lhe desejava a volta.

Respirou fundo, percebendo grossas gotas de chuva a beijar a terra enquanto o vento ... Bem, o vento sempre desalinhava as árvores, por mais antigas que fossem!