13 de jan. de 2006

Chocolate com Cerejas

06Jan006

Costumava fazer frio àquela época do ano. Época de chuvas, de terra úmida e propícia ao plantio. Plantava-se tudo, idéias, grãos, sementes e brotos, sentimentos e esperanças, tudo era bem vindo no ventre úmido e fértil da Mãe Terra.

Sentada no balcão da janela, observava o verde a se espalhar no horizonte como uma grande tapeçaria celeste a recortar-se contra o cinza escuro de um céu túrgido de chuvas. Sobre o colo, repousava o velho álbum de fotografias. Lembranças amareladas de um passado tão presente quanto a folhagem balouçante das árvores ao vento.

No prato esquecido, adormecia a fatia de bolo de chocolate que lhe haviam trazido à guisa de lanche. Adormecida como as lembranças que misteriosamente haviam saltado do quarto escuro da memória e agora brincavam de roda sobre o gramado da fazenda.

Há quanto tempo tudo acontecera? Usava tranças compridas a tocar-lhe a cintura esguia de menina e seus pés lépidos ainda eram capazes de correr pelas campinas à procura de borboletas azuis.

Mário viajara para a capital; fora estudar, prometendo voltar. A próxima notícia que recebeu foi a de seu casamento com uma moça bonita e muito simpática que conhecera por lá. Viram-se ainda uma vez, quando recebeu das freiras o diploma de normalista.

Conversaram na doceria da praça, aquela em frente ao chafariz, enquanto comiam uma torta de chocolate e cerejas – aliás, era costume das famílias locais – falando da cidade grande e da nova vida de Mário. Tanto tempo depois parecia-lhe excessiva a eloqüência dele...Talvez temesse o marulhar das palavras não ditas!

Na hora prevista, Mário levantara, dera-lhe um caloroso aperto de mão e partira, deixando atrás de si uma sensação intraduzível.

A vida havia se encarregado de guardar aquelas memórias no fundo da mente adormecida pelo trabalho, filhos e uma confortável vida familiar, mas naquele exato momento tudo saltitava à sua volta como o cheiro de um bolo assando.

Fechou o álbum: de nada valeria olhar aquelas velhas fotos! O passado jazia num tempo perdido e não voltaria jamais, além do que, nem saberia dizer se lhe desejava a volta.

Respirou fundo, percebendo grossas gotas de chuva a beijar a terra enquanto o vento ... Bem, o vento sempre desalinhava as árvores, por mais antigas que fossem!

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