14 de out. de 2007


Tishrei 5767


Nossa, fui atropelada por uma moto com o homem mais lindo que já vi! Será efeito dos novos óculos? Se for, realmente eu estava precisando deles, mas não é,não, fui atropelada mesmo e ainda agora, recostada no vão da janela, a pele arrepia só de lembrar!


Estou na mesma varanda de sempre, a sentir o vento no rosto, observando o mar longinquamente, sentindo o cheiro da vida e catalogado as boas coisas, contando as bênçãos que recebo, admirando, extasiada, a maior delas que é a sua presença na minha vida!

Você chegou de jeans, o rosto lindo escondido pelo capacete que deixou a mostra apenas e tão somente estes olhos que falam mais que mil palavras juntas e sintaticamente ordenadas; o corpo firme, bem torneado, exarando toda o charme másculo que possui, através do jeans; os pés perfeitos encobertos pelo tênis; a moto elegante, seu nome de guerra em vermelho para contrastar com a carenagem branca, com os detalhes pretos...Cores que revelam sua essência de paz, sabedoria e muita energia! Eu ali, parada, a querer arrancar cada uma daquelas proteções que lhe mantinham afastado do meu toque, do meu olhar, embora completamente envolto pelo meu querer que explodiu como um objeto submetido a pressões extremas...

Seus olhos sorridentes entregando-me o mimo, pedindo desculpas incabíveis – era eu quem tinha que me desculpar por fazer pedidos tão extravagantes, por lhe incomodar, por perturbar a sua rotina, por lançar os olhos sobre coisas que não são minhas – e eu, estática, com um sorriso bobo, completamente paralisada, hipnotizada pela sua presença como uma criança diante do que ela imagina ser Papai Noel...

As vezes sou tão absurdamente idiota! Porque não pulei na garupa e disse: vamos dar uma volta, aqui mesmo na rua já que não temos capacetes extra! Abraçaria seu corpo bem junto ao meu para não cair, será que não cairia? Ái, adoro cair mas para que me levante rápido e forte como sempre faz. Cair extenuada de cansaço após a batalha deliciosa dos corpos , cair na gargalhada como criança feliz a desembrulhar presentes adivinhando pelas ranhuras o que tem dentro do pacote.

Vem cá e me toma pela cintura – certamente não precisarás de mais que dois dedos tão pequenina sou diante da sua estatura – e me joga na garupa. Vamos correr um pouco sentindo o vento, olhando os ipês floridos, ouvindo as corujas piando em pleno dia...Vem, me leva neste sonho porque adoro sonhar tendo você como pano de fundo.

Vamos ser crianças novamente ? Ao menos por um pequeno espaço de tempo infinito onde ondas passam pela praia sem quebrar, desdobrando-se em lençóis sucessivos de prazeres pequeninos para que façamos com eles colares brilhantes de felicidades.

Não falei nada, fiquei ali parada como o primeiro homem a observar o raio,a chuva o nascimento de alguma criança. Meti algo no bolso de trás da calça, mecanicamente, nem sei exatamente o que era. Não dava para saber, não dava para saber nada a não ser você. Um abraço assim, sei lá – diria um adolescente – um beijo furtivo no pescoço que eu queria mesmo era lamber, mordiscar, beijar e beijar infinitamente e a moto fez a curva levando você que fiquei olhando sumir no horizonte enquanto sumia também todo o ar dos meus pulmões e a descarga de adrenalina faria meu coração pulsar forte até muito mais tarde.

15 de ago. de 2007


Imagens no Espelho

Ao longe, os ipês começam sua floração pintando a paisagem em vibrantes tons de amarelo, lilás e rosa enquanto pela barra da janela o final da tarde se faz anunciar no céu cinzento que escorrega dos galhos desnudos do arvoredo.
A escultura grega, entalhada no teto, mostrava Zeus e a Madona em um abraço aconchegantemente sensual. Suas pernas bem talhadas e semi-flexionadas fundiam seu corpanzil anguloso a delicada estrutura feminina, enlaçando-a com um braço que lhe envolvia o tronco conservando o busto ao largo dos olhares curiosos.
Perdeu-se em abstrações enquanto observava o quadro à luz difusa de uma tarde outonal. Reminiscências rondavam seu espírito, como raios de um sol que exita em ir-se.
Vieram, primeiro, as sensações táteis: o toque suavemente firme, o calor que emanava da pele. Em seguida, os cheiros e o gosto, para , finalmente, tornar-se um quadro com sons inaudíveis de palavras sussurradas de espírito para espírito.
Destes encontros saía sempre com a sensação misteriosa de haver mordiscado uma beirada do infinito, um encontro com o mais sensível e incógnito que existe no ser humano: a profundidade de um céu enluarado.
Uma memória assomou-lhe a mente, sorrateira e forte: desde que, em criança, contraíra determinada moléstia, passara a ter verdadeiro horror aos aromas sulfúricos e no entanto, agora, eles lhe chegava aos sentidos com uma suavidade deliciosa, misturando-se a outros perfumes sem os macular ou impor sua presença. Sorriu percebendo que o caminho que se percorre interiormente nem sempre se casa ao mundo externo. Para cada momento da vida há impressões compostas de odores e sabores próprios, atos e pensamentos singulares.
Olhou para o teto no exato momento em que Zeus abriu os olhos!

13 de jul. de 2007


Ruas de Outono
7out2007

Mirou-se no grande espelho de cristal e gostou da imagem refletida: o vestido de malha leve deslizara suave projetando uma silhueta elegante e discreta como as frutas maduras que estimulam o paladar pelo aroma de infância e pecado.

Ajeitou os cabelos, porque será que todas as mulheres fazem isso?, simulando um certo desalinho que, deixando a mostra longos e extravagantes brincos, lhe davam um ar diferenciado. Traçou uma linha fina sublinhando a metade externa e inferior dos olhos, um batom cor de boca – será que essa cor existe? sorriu – e respirou satisfeita com o resultado final. Vaporizou seu perfume favorito: suave e misterioso, fresco e aconchegante.

No final das contas era uma mulher bonita e inteligente e se ele não conseguia enxergar isso, tanto pior para o cego que ficara tão empenhado em lhe destruir a auto-estima, em lhe esmigalhar a psique que esquecerá de ver-lhe como realmente era.

Quase se deixará destruir até que um raio de sol, na verdade uma brisa de outono, lhe tocara o rosto reacendendo em si mesma a vontade de viver e a consciência de quem era e a partir daí entenderá que travava uma luta de vida ou morte: venceria o mais forte! Vence sempre o mais forte? Não! Vence, sempre, o mais inteligente e não lhe restava dúvidas de quem fosse este...

Sentou-se na poltrona do teatro lotado. Fora assistir um espetáculo de Ballet.

A nova temporada da Companhia Nacional de Dança Clássica começava naquele dia e o teatro estava lotado. Observou muitos olhares acompanhado seu deslocamento, mas não se deixou levar por tal leviandade: registrou o fato para suas próprias considerações posteriores.

As bailarinas estavam perfeitas, todavia o espetáculo não lhe conseguiu apaziguar o espírito inquieto que se recusava a pousar nos graciosos movimentos e divertia-se fazendo malabarismos na pautas, pendurando-se nas colcheias,semi-claves e tantas mais. Os olhos pesaram docemente convidando-a a abandonar-se ao suave aconchego do Lago dos Cisnes. Tchaikovsky conduzi-a pelas florestas russas a sentir saudades de aromas e sabores da infância.

Todas as viagens acabam um dia e não seria diferente. Aplausos entusiasmados puxaram-na de volta a realidade. Tomou sua bolsa, a chave e partiu: Árvores imensas ainda lhe povoavam a mente.

Na rua alguém cantarolava a música da estação: “Nas ruas de outono, os meus passos vão ficar // E todo abandono que eu sentia, vai passar”...

r”...

Beatles -There are Places I remember
(tradução livre)
Há alguns lugares onde eu recordo toda minha vida,
embora alguns tenham mudado,
alguns para sempre, não para melhor
Alguns se foram, e alguns permanecem.
Todos estes lugares têm seus momentos
com amantes e os amigos que eu ainda posso recordar
algum estão mortos e alguns vivem em minha vida,
e eu amo todos eles.
 
Mas se todos estes amigos e amantes lá fossem
Ninguém se compararia à você
e estas memórias perdem seu significado
quando eu penso no amor como algo novo
 
Embora eu saiba que nunca perderei o afeto
Pelas pessoas e as coisas que existiram antes
Eu sei e  paro frequentemente e penso nelas
Em minha vida, eu amo você ainda mais
 
Em minha vida eu amo você ainda mais.

19 de mai. de 2007

O homem que aluga estrelas

Luiz de Aquino, Goiânia, 23/04/07

Eu tenho estrelas. Muitas.

Não, não sou dono de todas

as que limitam o teto da noite, não.


Sou rico, minha senhora!

Sou dono apenas das cintilantes luzes

que realizam desejos.



Não são minhas meras luzes

de clarear partículas de infinito

ou de orientar navegantes.


Pertencem-me as moradas da magia,

dormitórios de oráculos e duendes

e de fadas altivas e simples.


Minhas estrelas não existem

para formar constelações, apenas: elas

têm sintonia com corações sonhadores,


ansiosos e crentes, pois só mesmo

a estes é dado o dom de sonhar desejos

e fazê-los acontecer.


Por isso, Senhora bela e amada,

rainha de cetro e de sonhos,

aguarda a tua estrela: já se anuncia.


Demora que se mostre, porque é cedo

e cedo-te de gosto e prazer

a estrela que te cabe e é certa.


Ah! Ei-la! Ali, à margem da nuvem

que se abre no céu É tua, essa!

Habita-a e te apossa dela.


Em dias próximos terás por real

o que é ainda sonho. Falta-me a paga,

que recebo adiantado.


E assim que me vir premiado

em moeda de fala e poesia, liberarei a luz

que te trará venturas.


Depois, e quando de regozijo e feliz

puderes deixar minha estrela... É fácil.

Deixa-a no céu. Saberei recolhê-la.



4 de mai. de 2007

Laços


Um dia claro, um céu azul

a brisa fresca

Um dia pardo, um céu de chumbo

o vento frio

Uma noite quente e no céu estrelado

a lua espia entre as árvores

Uma noite fria e no céu deserto

as estrelas dormem

Um homem , uma mulher

um abraço, braços

pernas, laços que prendem suavidade

Olhos, lume incandescente

a mapear a estrada

ritmada no ofegar da tua respiração