13 de jul. de 2007


Ruas de Outono
7out2007

Mirou-se no grande espelho de cristal e gostou da imagem refletida: o vestido de malha leve deslizara suave projetando uma silhueta elegante e discreta como as frutas maduras que estimulam o paladar pelo aroma de infância e pecado.

Ajeitou os cabelos, porque será que todas as mulheres fazem isso?, simulando um certo desalinho que, deixando a mostra longos e extravagantes brincos, lhe davam um ar diferenciado. Traçou uma linha fina sublinhando a metade externa e inferior dos olhos, um batom cor de boca – será que essa cor existe? sorriu – e respirou satisfeita com o resultado final. Vaporizou seu perfume favorito: suave e misterioso, fresco e aconchegante.

No final das contas era uma mulher bonita e inteligente e se ele não conseguia enxergar isso, tanto pior para o cego que ficara tão empenhado em lhe destruir a auto-estima, em lhe esmigalhar a psique que esquecerá de ver-lhe como realmente era.

Quase se deixará destruir até que um raio de sol, na verdade uma brisa de outono, lhe tocara o rosto reacendendo em si mesma a vontade de viver e a consciência de quem era e a partir daí entenderá que travava uma luta de vida ou morte: venceria o mais forte! Vence sempre o mais forte? Não! Vence, sempre, o mais inteligente e não lhe restava dúvidas de quem fosse este...

Sentou-se na poltrona do teatro lotado. Fora assistir um espetáculo de Ballet.

A nova temporada da Companhia Nacional de Dança Clássica começava naquele dia e o teatro estava lotado. Observou muitos olhares acompanhado seu deslocamento, mas não se deixou levar por tal leviandade: registrou o fato para suas próprias considerações posteriores.

As bailarinas estavam perfeitas, todavia o espetáculo não lhe conseguiu apaziguar o espírito inquieto que se recusava a pousar nos graciosos movimentos e divertia-se fazendo malabarismos na pautas, pendurando-se nas colcheias,semi-claves e tantas mais. Os olhos pesaram docemente convidando-a a abandonar-se ao suave aconchego do Lago dos Cisnes. Tchaikovsky conduzi-a pelas florestas russas a sentir saudades de aromas e sabores da infância.

Todas as viagens acabam um dia e não seria diferente. Aplausos entusiasmados puxaram-na de volta a realidade. Tomou sua bolsa, a chave e partiu: Árvores imensas ainda lhe povoavam a mente.

Na rua alguém cantarolava a música da estação: “Nas ruas de outono, os meus passos vão ficar // E todo abandono que eu sentia, vai passar”...

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