12 de jul. de 2005

Estações

la luna-26maio005

A bem da verdade fora ela quem mudara!

O passar dos anos havia-lhe conferido uma tranqüilidade que a fazia olhar desassombradamente para todas as direções, entabulando um falar articulado, qualquer que fosse seu interlocutor.

Enquanto a chuva tamborilava uma velha canção no seu teto, as lembranças orquestravam uma sinfonia igualmente antiga na sua memória, fazendo desfilar, diante dos seus olhos, recortes de um tempo que já nem saberia precisar.

Aquele camafeu esculpido em lembranças era peça de um antiquário, há muito fechado, em que se concatenavam reminiscências.

Não mudara nada... A mesma tepidez aconchegante de um Noturno de Chopin, notas de um alegro de Mozart, combinadas à Primavera de Vivaldi, e uma elegância de fazer inveja a Liszt conferiam-lhe um porte nobre, quase principesco, e assim permanecera sem sentir o peso dos anos, o passar do tempo.

Quantos janeiros separavam-nos? Já nem se recordava mais e, no entanto, nada havia em que se pudesse basear para falar de tempos corridos. Sabe-se lá... talvez um pouco mais de manchas solares sobre a pele das mãos alvíssimas, nada que merecesse nota,também esta alergia à luz solar era antiga, parte do arsenal de lembranças que possuía!

A mesma capacidade de suster o tempo entre duas palavras, um semitom, retornando à realidade em velocidade alucinante, deixando escoar os segundos como areia entre os dedos. No ar a sensação que fora demasiado breve o intervalo...

Puxou as cobertas macias em torno do corpo, tentando prolongar a sensação de proteção e acalanto recém descoberta.

Na lareira, o crepitar da madeira beijada pelas chamas lembrava o seu coração: saracoteava como o de uma adolescente no seu primeiro encontro... A noite estava repleta de música e perfumes singulares. Adormeceu ouvindo uma canção que só ela conhecia!

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