12 de jul. de 2005

Cena Cotidiana

la luna – 01jul 005

O homem era alto, espaldar largo, cabelos nos ombros. Não era jovem, tão pouco velho, tinha um olhar penetrante e um sorriso que era mais uma constrição dos lábios que propriamente um sorriso.Na verdade, sorria com os olhos, afunilando-os, deixando mostrar as marcas que o tempo desenhara a sua volta, como os olhos de um felino ao mirar a presa: duas fendas escuras, hipnóticas, profundas...

A mulher era miúda, branca, cabelos curtos, escuros. As roupas denotavam praticidade, objetividade, independência. O supercílio espesso dava conta de uma personalidade forte, mas o olhar distante falava de um mistério profundo a dormitar em sua alma.

Uma boneca de louça, um príncipe árabe e entre ambos uma mesa de toalha vermelha, um cachepô de begônias recém saídas da fogueira, pães, vinhos, pastas, um banquete cigano, uma música quente, e muitas luzes...Todos os ingredientes do improvável, do inusitado, do impossível.

Seus olhares se cruzaram na ante-sala da festa, ao meio do campo ainda mal iluminado e se reconheceram. Intercalaram-se, novamente, em plena festividade, incendiaram-se mutuamente, atraíram-se, não se tocaram, desejaram-se, penetraram-se, perceberam-se intensamente e através do ar rolaram chispas incandescentes de um querer profundo, fulminante.

Olharam-se tanto e tão intensamente, tão profunda e docemente, que imaginaram sentir em si o cheiro e o toque do outro: um intenso, quente, arrebatador; o outro envolvente, sedoso, sedutor. Fogo e poesia, um balé encantado na noite fria.

Os figurantes eram só figura, paisagem, personagens que pareciam irreais naquele cenário. Não pertenciam ao script, não estavam na estória, não perceberam o enredo mas delimitaram-no, como uma barragem que sem pertencer ao rio, fecha-lhe o fluxo.

Havia a mulher de rosa e fartos cabelos das tribos negras do norte e o homem de olhar de lince e rosto cândido, aquele que trajava preto, gestos nervosos...

A mulher-cerâmica deu as costas, abriu a porta, sorriu e sumiu na cortina de fumaça dos sonhos que se desvanecem, o príncipe árabe montou seu cavalo branco e partiu. A musica findou, a mesa de recolheu o fogo cessou e permaneceu na calada da noite o perfume das coisas que poderiam ter sido mas não foram!

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