Borboletas, bandolins e chocolate quente
la luna –13 jun005
Sentia-se assim, estranhamente só, como a lua nas madrugadas silenciosas e sem amantes que povoam os invernos .
Em sua mente existia uma imagem, o seu auto-retrato, uma virgem bela e vaporosa em alto mar, uma estátua em pleno vôo na amplitude silente do oceano, nem revolto e nem calmo, apenas alto mar!
Havia um grito, sempre preso, a meio caminho entre o coração e a garganta, balouçando-se como as águas imovelmente onduladas do mar alto...
O frio enregelava a alma, paralisava o tempo, o sangue, e o coração pesando toneladas seguia o comando árido do cérebro frio e seguia avante em seu tum-tum ritmado...Um soldado em guerra, sem querer, poder ou ser, apenas soldado, apenas cumprindo ordens, apenas batendo.
A vida era lâmina afiada: cortava nacos de sua alma e os pendurava ao sol inclemente da realidade. Esbravejava e criava um novo sonho, um novo alento, como se parisse a cada dia novos filhos para agarrar-se a eles e poder continuar vivendo, mas a vida vinha e os levava, um-a-um, todos partiam e, insistente, criava um novo, sem jamais desistir.
De tantos partos, partidos e repartidos entre si, criou um mundo seu, em cores e sons, uma realidade de valsas e bandolins, rosas nas janelas e pardais a esvoaçar flores. Chegava em casa e borboletas azuis brincavam com as rosas do jardim enquanto as cortinas brancas esvoaçavam pelo caixilho da janela.Um vento suave lhe beijava a face e falava tagarelices traquinas como uma caneca de leite quente com chocolate derretido...
Certa feita, em que a vida lhe roubara mais um sonho para estender ao sol do desespero, abriu a porta que separava o seu mundo do mundo dos demais, ultrapassou o umbral e jamais voltou. Ficou para sempre entre as flores e borboletas, ouvindo a canção do vento e tomando chocolate quente com chantily,deliciando-se com cerejas ao marasquino.
Do lado de cá houve choros e lamentações, por certo havia sofrido demais, a coitada, e jamais perceberam que se sofreu foi de solidão somente!
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