O mês de Elul traz consigo um sol vermelho ao final da tarde. Sua beleza intensifica-se a medida em que uma névoa seca produz uma sensação de embaciamento da vista possibilitando olhar fixamente o disco fulgente que incendeia a barra do horizonte.
Será essa a razão deste mês ser chamado de mês das luzes? sinceramente não sei, mas deveria ser! O espetáculo é belíssimo embora poucos se dêem ao trabalho de apreciar. Em algum outro lugar, esse mesmo sol, desce a barra do horizonte enquanto seu reflexo passeia pelas águas do oceano, traçando um reflexo de dourada prata nas águas salgadas... Coisas maravilhosas que o homem perde de observar todos os dias!
Perdemos tantas coisas, deixamos de apreciar tantas belezas que gratuitamente a vida nos oferece, a cada dia, presos que ficamos em convenções de dever ser como se devêssemos ser algo mais que felizes...
Tomo meu baú de penduricalhos e resolvo organizar minhas lembranças. Suas cartas, amarradas com fita cor-de-rosa sol de Elul, repousam no lado esquerdo do baú. Acaricio-as como se fossem sua própria face, abro-as , uma-a-uma, e lhe escuto pronunciar cada palavra pensando ser capaz de adivinhar as inflexões, os sorrisos suspensos, o brilho astuto do olhar , a expectativa da espera.
Há quanto tempo nos correspondemos? Mais de ano, dizem as cartas e sei que não tenho todas, algumas rasguei por uma pueril noção de perigo, como se houvesse jeito de se viver sem estar em perigo!
Um vento morno sopra nesse final de tarde e um calor intenso e interno me abrasa: Sinto sua falta, uma falta forte, ardente como o final da tarde. As palavras reacendem a lembrança do toque, do abraço... Seu cheiro puro, sem misturas químicas, seu porte, sua elegância, sua beleza quase helênica...
Lembro de uma “modinha”em que o cantor perguntava: “Por quem sonha Ana Maria?” Sinceramente eu não sei por quem ela sonha, mas espero que sonhe com alguém e que esse alguém tenha um rosto, um cheiro e um corpo porque os sonhos abstratos doem demais, bem sei eu.
Meu sonho tem um rosto, um toque e um cheiro específico e, agora sei, um desejo contido por muitos anos, um querer antigo sempre considerado inatingível ou eu não teria pequenos papéis guardados e lembranças tão fortes de cheiros, roupas, fatos, curiosidades. Depois de tantos e tantos acontecimentos a permear a memória, ainda ressoa o conselho só colocado em prática na sua companhia:
(..)Se um dia encontrar alguém que lhe respeite e que queira compartilhar com a senhora o seu carinho, aceite porque carinho e respeito são matérias muito escassas na humanidade!
Minha saudade tem um toque de pétalas de rosas e a segurança do melhor abraço já experimentado, tem a intensidade de um grito de guerra e a vontade sempre impossível de ficar um pouco mais. É feita da certeza de que a não proximidade excessiva popa nossos olhos de cegaram a luz dos nossos recíprocos defeitos, e assim seguimos unidos pelo desejo que a distancia aumenta e a saudade regula embalando meus sonhos e colorindo meus dias com sua palheta de arco-íris (e eu já tão acostumada com o cinza, sinto-me deslumbrada!).
O sol já se escondeu e Amelita Baltar me conta, em sua belíssima interpretação, que sus labios de fuego otra vez quiero besarenquanto eu lhe sugiro:
Quereme así, piantao, piantao, piantao...Trepáte a esta ternura de locos que hay en mí, ponete esta peluca de alondras, ¡y volá! ¡Volá conmigo ya! ¡Vení, volá, vení!